Procurei mostrar no blog anterior que um dos principais problemas que existe no ecossistema de empreendedorismo no Brasil é que o startup que criamos no País não oferece o desejado retorno ao investimento do capital de risco. Para a industria brasileira de VC, existe disponibilidade de capital, mas o que faltam são ” bons projetos”. O VC quer encontrar um “bom projeto” que ofereça um alto retorno, para cobrir o risco e remunerar adequadamente os investidores.
O sucesso do empreendedorismo brasileiro depende da nossa capacidade de criar novos tipos de startups. Olhando a classificação de Steve Blank no blog anterior, precisamos ser capazes de criar “scalable startups” ou “buyable startups” , se quisermos atrair o capital de risco.
Vamos olhar com um pouco mais de detalhes estes dois caminhos:
O Modelo de Negócios
De inicio, temos que entender que o nosso startup é apenas uma organização temporária, que só vira uma empresa quando descobre o seu Modelo de Negócios. Ou seja, sem um adequado Modelo de Negócios, não devemos começar a operar a empresa. Caso contrário, vamos fazer investimentos desnecessários e perder dinheiro.
Como achar o Modelo de Negócios? Usando a metodologia Lean, teremos que formular as nossas hipóteses para o negócio e testá-las. Há várias hipóteses: que produto ou serviço quero oferecer, quais são os clientes, como obter novos clientes, os canais de distribuição, os parceiros, o modelo de receita, os custos, atividades que precisamos realizar para produzir, recursos que vamos necessitar ( humanos, financeiros, fisicos, etc.) . Temos que testar cada hipótese. Como resultado de cada teste, vamos mudando ( pivot) ou adaptando a nossa ideia inicial. Tudo isto precisa ser feito para descobrirmos qual é o Modelo do nosso Negócio.
O Modelo de Negócios precisa ser basado em evidencias não nas hipóteses iniciais ( guesses)
A primeira hipótese a ser testada é o que chamamos Product x Market Fit. Ou seja, qual é a adequação entre o que queremos oferecer e o que o mercado/consumidores deseja. Depois temos de fazer os outros testes. Ao final deste ciclo vamos ver que a proposta para o negócio será bastante distinta do que pensamos inicialmente. Muitos, nesta fase, desistem de levar o negócio adiante. Os que continuam, vão poder ter uma visão bem realista do que pode ser esperado no desenvolvimento do novo negócio.
Passada esta fase de transição, podemos criar a empresa e fazer o business plan para o negócio resultante dos testes e suas consequentes mudanças. . O capital de risco vai poder fazer uma análise mais criteriosa do business plan, pois este é baseado em evidencias não em idéias não comprovadas.
Os scalable startups – Born global or die local
Esta frase ” Born global or die local” é o título de um dos últimos blogs de Steve Blank, escrito durante sua ida à Australia. Lá, como aqui, os startups querem imitar os seus pares de Silicon Valley: querem crescer e atrair investidores. No entanto, esquecem que o seu ecossistema local é muito diferente de Silicon Valley, que não basta ser bem sucedido localmente.
Imitar Silicon Valley, não é impossível, mas é bem difícil. Alguns países conseguiram, ao longo do tempo, implantar um ecossistema com as mesmas características. Israel é um bom exemplo. O processo de criação de empresas é resultado de uma parceria entre as melhores Universidades israelenses e sua expressiva indústria de capital de risco. Depois de um período onde o Governo fomentou a criação de empresas, hoje quem lidera é o setor privado. Houve uma privatização das incubadoras, que passaram a ser geridas pelos investidores, que controlam a escolha das incubadas. O Governo só atua no alto risco, onde o capital privado não se sente atraído. Por ter um mercado muito pequeno, as empresas israelenses, desde sua fundação, entendem que precisam atuar no mercado mundial. Com estas características, não é surpresa que mais de 120 empresas israelenses conseguiram fazer seu IPO na Nasdaq, a principal bolsa de valores americana de empresas de tecnologia.
Enquanto mais de 120 startups israelenses abriram seu capital na Nasdaq, infelizmente, nenhum startup brasileiro ainda o fez.
As universidades brasileiras são tão competentes quanto as universidades israelenses. Somos tão criativos quanto eles. Mas o nosso modelo de ecossistema é ainda muito dependente do setor publico.
O startup brasileiro que quiser ter sucesso internacional precisa responder à seguinte pergunta: como obter clientes/usuários/compradores capazes de crescer sua receita a várias centenas de milhões de dólares por ano? É neste nível que atuam os “scalable startups”, que almejam atingir a valores de mercado superiores a U$ 1 bilhão.
A unica saída é ser global. Não basta pensar em apenas exportar para o mercado americano. O startup precisa nascer global.
Por exemplo, é possível entender que, na definição do Modelo de Negócios, podemos testar o Product x Market Fit no mercado local. Mas não teremos sucesso nos Estados Unidos se não testarmos as outras hipóteses críticas lá: parceiros, canais, formas de pagamento, investidores. O mercado brasileiro não vai ser suficiente para conseguirmos a escala necessária, então vamos ter que crescer o nosso negócio nos Estados Unidos. E mesmo com possível interesse da indústria brasileira de capital de risco, para atingir a escala exigida, vamos precisar de investidores mais poderosos
Portanto, para nos tornarmos globais, temos que pensar globalmente desde o início. O que vai exigir uma mudança em nossa cultura, que privilegia o mercado local.
Concluindo, creio que não devemos alimentar a ilusão de que podemos fazer um ecossistema similar a Silicon Valley, pelo menos no prazo curto. E , com isto, precisamos diminuir a expectativa que iremos produzir muitos startups com enorme potencial de retorno do investimento, conforme é desejo do capital de risco.
O empreendedorismo brasileiro precisa de uma outra alternativa.
Os buyable startups
De acordo com a classificação de Steve Blank, os chamados “buyable startups” são uma versão limitada dos “scalable startups”, seja pela decisão dos empreendedores (que não querem esperar muito tempo para obter o seu ganho, deixam de se interessar pela abertura do capital e passam a priorizar lucro em vez de crescimento), seja porque a oportunidade do mercado é menor do que a esperada e não permite que o negócio alcance uma altíssima escala.
O capital de risco também se interessa pelos “buyable startups “, porque conseguem antecipar uma possibilidade de ganhos significativos, proporcional ao nível e risco dos seus investimentos ( é claro, em escala menor que os dos “scalable startups”). Os ganhos se dão no momento da venda dos “buyable startups” para outros fundos de VC, para fundos corporativos ou para empresas maiores.
O mercado para os “buyable startups” cresce na medida que cresce a necessidade de inovação no setor produtivo. As empresas dos setores tradicionais estão se convencendo que a aquisição de startups é um importante mecanismo de inovação. Sabem que, quanto mais disruptiva é a inovação, menor é a capacidade dos seus departamentos internos de P&D de acompanhar o avanço das novas tecnologias. E a solução é adquirir um startup para acelerar o seu ritmo de inovação.
Para ilustrar, reproduzo a resposta dada pelo CTO da Neopost, apresentada no livro Lean Enterprise, escrito por Trevor Owens e Obie Fernandez: ” Aquisição é uma maneira de inovar, mantendo o risco e o orçamento ao mesmo tempo. Quando você está fazendo uma aquisição, você está comprando “time to market”, e também credibilidade. Dentro do nosso departamento de P&D, estamos trabalhando com produtos existentes, fazendo sua manutenção e novas revisões. Se queremos crescer, nós precisamos de fazer algo mais, mas a dificuldade é achar o que é melhor. Usamos as técnicas do lean startup porque, mesmo sabendo que vamos falhar múltiplas vezes, ao final vamos achar algo concreto. Fazendo uma aquisição de um startup significa que estaremos correndo menos riscos, porque o startup já ultrapassou vários níveis de risco na evolução do seu negócio. E , por isto, estamos dispostos a pagar um pouco mais”.
Nem todas as aquisições se dão para a compra de uma linha nova de produtos. Há corporações que fazem a compra para conseguir a propriedade intelectual ( lembram-se da compra da Motorola pela Google?), para trazer a equipe de empreendedores ou executivos ( e não se interessam pelo produto), para obter o mercado/ base de clientes ou para comprar a empresa como um todo. Não se pode generalizar.
Segundo Steve Blank, não devemos subestimar as dificuldades resultantes da aquisição. É fundamental que a empresa compradora identifique objetivamente o motivo que está fazendo a aquisição, e entenda o estágio do startup, sob pena de ficar com um elefante branco. As dificuldades de integração entre o comprador e o comprado muitas vezes se dá porque não se avalia em que estágio está o comprado. Se estiver no estágio de startup , onde está ainda procurando por um modelo de negócios, é importante manter a independência do startup, sob pena de vê-lo ser destruído pelas métricas e controles da corporação ( que está voltada para a execução). Se o comprado já está na fase de execução, o objetivo é assimilá-lo e integrá-lo rapidamente na estrutura da compradora.
O processo de criação dos “buyable startups” é idêntico ao dos “scalable startups”. Precisamos olhar o mercado global e testar as nossas hipóteses tanto localmente, como também em mercados mais dinâmicos, como nos Estados Unidos. O que vai distinguir um caso do outro é o tamanho do mercado e o nível de investimentos. Esta parece ser a melhor alternativa para os startups brasileiros, mais adequada ao potencial e tamanho do nosso ecossistema.
Em um futuro blog, vou discutir a importância dos “buyable startups” para a retomada do desenvolvimento industrial no Brasil.